MHuD: Carta aberta de repúdio à terceirização sem limites

24/03/2017

Os pesquisadores do Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo — GPTEC e o Movimento Humanos Direitos — MHuD, em face da aprovação, na noite de 22.03.2017 do Projeto de Lei (PL) n.º 4.302/1998, que regulamenta a terceirização irrestrita das atividades empresariais e públicas e amplia a contratação temporária, vêm a público se manifestar nos seguintes termos:

  • Registram o mais absoluto repúdio, alertando para o fato de que a aprovação a terceirização sem limites acarretará profundo retrocesso no combate ao trabalho análogo ao de escravo no país, uma vez que o número de trabalhadores resgatados em situações análogas à escravidão é quase que integralmente de terceirizados, além de significar tentativa de “legalização” da precarização extrema do trabalho em todos os segmentos econômicos e níveis de contratação;
  • Externam absoluta convicção sobre a inconstitucionalidade do Projeto de Lei aprovado, tendo em vista a completa desconsideração dos mais basilares preceitos constitucionais da proteção da dignidade humana e do valor social do trabalho, ressaltando que a aprovação da terceirização sem limites ofende, também, um dos princípios primordiais da Organização Internacional do Trabalho, o de que o trabalho humano não é mercadoria;
  • Lembram que a terceirização já tem sido responsável pela absoluta violação das normas de proteção à saúde e segurança no trabalho, sendo marcante o fato de que a incidência de acidentes de trabalho graves e fatais, bem como de doenças ocupacionais entre terceirizados é bem superior do que entre empregados diretos;
  • Reafirmam que o trabalho não deve ser interpretado como mero custo, mas como meio de inserção socioeconômica e afirmação subjetiva dos seres humanos na sociedade, sendo intolerável que, a pretexto de aumentar o lucro, os contratantes forjem subcategorias de trabalhadores terceirizados e temporários, deixando-os subjugados à condição de precariedade extrema, configurando mão de obra rotativa, descartável e desvalorizada;
  • Pontuam que a terceirização, mesmo atualmente limitada pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, tem sido responsável pela fragmentação de categorias de trabalhadores, sujeitando-os a representações sindicais distintas, o que reduz, sobremaneira, o seu poder de negociação e elimina suas condições de agregação e organização em face dos empregadores, evidenciando total contradição com o discurso governista sobre as vantagens do negociado sobre o legislado;
  • Ressaltam que a admissão generalizada do trabalho terceirizado dará ensejo ao fenômeno de empresas sem empregados ou com reduzido quadro de empregados, afastando, ainda mais o país da geração de trabalho decente, segundo conceito formalizado pela Organização Internacional do Trabalho, para que homens e mulheres possam ter trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, o que é considerado fundamental para a superação da pobreza e redução das desigualdades sociais;
  • Denunciam que a terceirização não gera emprego: o que gera emprego é desenvolvimento econômico e, mais do que criar qualquer trabalho, as políticas públicas e legislativas do país devem ser voltadas à criação de empregos dignos, estáveis e juridicamente protegidos;
  • Esclarecem que a terceirização sem limites não se presta à melhor gestão da produção, tampouco possibilita maior eficiência empresarial com aumento da competitividade, apenas servirá para ampliar as fraudes, a constituição de empresas de fachada e o descumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, tanto por parte das terceirizadas quanto das tomadoras dos serviços;
  • Manifestam, em resumo, profunda preocupação com a aprovação da terceirização do “conjunto das atividades empresariais” e com a ampliação da contratação temporária, legitimando a intermediação de mão de obra no ordenamento jurídico brasileiro em detrimento de garantias constitucionais como a isonomia e a relação de emprego socialmente protegida, permitindo, na prática, maciça utilização de mão de obra informal ou “subterrânea”, devido à dificuldade de fiscalização;
  • Lamentam que o Presidente da República em exercício, no lugar de vetar o nefasto Projeto de Lei, por vício absoluto de inconstitucionalidade, provavelmente ratificará a sua aprovação apesar de o Estado não poder se distanciar nem se omitir no cumprimento de seu dever maior de assegurar a prevalência do interesse social sobre o privado e de caber aos agentes públicos, no exercício do seu mister ou mesmo na condição de cidadãos, ter a coragem de trazer o ser humano ao centro do processo de desenvolvimento sustentável, edificante, socialmente justo e democrático.

Rio de Janeiro, 23 de março de 2017.

Assinam:

Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo — GPTEC

 

Do MHuD — Movimento Humanos Direitos, assinam:

O designer Daniel Souza; o professor Adair Rocha; os jornalistas Bruno Cattoni e Virginia Dirami Berriel; a escritora e roteirista Iris Gomes; as atrizes Camila Pitanga, Bete Mendes, Dira Paes, Priscila Camargo, Cristina Pereira, Letícia Sabatella e Carla Marins; os atores Gilberto Miranda, Wagner Moura; Fernando Alves Pinto e Eduardo Tornaghi.

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